O novo Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação

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Na última terça-feira (12), a presidente Dilma sancionou o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, que veio para regular as relações entre os agentes públicos e privados e diminuir a burocracia para o desenvolvimento de tecnologias inovadoras no território nacional.

Elogiada por professores e pesquisadores brasileiros, a lei promete iniciar um novo ciclo da produção científica nacional, ao reduzir a distância entre a academia e o setor produtivo e incentivar o trabalho conjunto, sem prejuízo para a carreira pública de pesquisadores que atuarem com o setor privado.

A intenção é desenvolver pesquisas até o momento de registrar patentes. A lei abre a possibilidade de sociedade minoritária de instituições públicas em projetos privados. Com isso, os royalties desses produtos trariam uma nova fonte de receita para os sistemas federal e estadual de universidades.

O governo ainda pretende, com juros abaixo do mercado, financiar a produção desses projetos. E adotar um sistema de compras públicas que no primeiro momento garanta a demanda e ofereça previsibilidade para o desenvolvimento. A intenção, daí, seria partir para a exportação, com os produtos já testados e aprovados no território nacional.

Entre setores tratados como estratégicas pelo Marco Legal estão o de biotecnologia, energia limpa, fármacos, nanotecnologia e aeroespacial.

Jornal GGN entrevistou, com exclusividade, o ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação, Celso Pansera, que comentou os pontos principais do novo marco.

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Abaixo, a íntegra da entrevista:

Jornal GGN – A presidente Dilma sancionou o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação. Isso quer dizer apenas que ela transformou em lei a Emenda Constitucional 85, de fevereiro de 2015?

Celso Pansera – É mais complexo do que isso. A Emenda Constitucional foi determinante naquilo que trata da relação das carreiras dos professores e das universidades com o setor produtivo. Mas o projeto de lei é mais complexo do que isso.

Jornal GGN – O texto final diz que “A lei estabelece medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação tecnológica, ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional do País”, o senhor pode comentar algumas dessas medidas?

Celso Pansera – O foco é desburocratizar o sistema de pesquisa brasileiro e particularmente quebrar algumas barreiras do ponto de vista da relação do setor de pesquisas públicas com a iniciativa privada.

Porque no Brasil a pesquisa de base, e mesmo a pesquisa dirigida para determinados setores da economia, é majoritariamente feita por órgãos públicos. Tanto da rede do MCTI, como da rede das universidades federais e das universidades estaduais.

Então, como a pesquisa está muito focada em cima do poder público, nós precisamos tratar dessa questão dando segurança jurídica para as empresas que vão contratar um instituto público de pesquisa.

E também dando segurança jurídica para que as universidades e institutos de pesquisa possam de fato serem contratadas pela iniciativa privada para buscar resultado de pesquisa e depois transformar em produção.

Jornal GGN – Esses critérios foram simplificados no texto?

Celso Pansera – Não. Eles não foram simplificados. O que foi feito foi localizar todos os gargalos que havia na legislação. Como você mesmo viu, o Marco menciona uma série de artigos, de emendas, relativos à Constituição e às Leis.

Onde que estão os gargalos? Bom. E agora como é que a gente resolve? Então, a gente resolve mexendo nisso, naquilo. E tanto a academia, os pesquisadores, quanto a Câmara dos Deputados, fizeram um trabalho de quatro anos de debate, de interpretação de lei, até chegar a esse consenso.

Quando chegou a esse consenso, aí foi buscar o Governo, de 2013 a 2014, para fechar com o Governo uma pauta comum, que evitasse vetos depois da votação. Depois disso, foi feita a votação na Câmara.

Depois da Câmara a gente teve toda a negociação com o Senado, que foi para o Senado não fazer emendas, para que não tivesse que voltar para a Câmara novamente.

Aí depois disso o trabalho foi junto com a Casa Civil e os demais ministérios para evitar os vetos. Então, foi todo um ritual. Todo um conjunto de ações políticas de convencimento.

Jornal GGN – Quais foram os pontos a presidente vetou?

Celso Pansera – Vetou aqueles que tratam de impostos, que incidem impostos previdenciários. A Fazenda foi muito dura em relação a isso.

Vetou um artigo, aí por um pedido do sistema produtivo mesmo, que liberava de participação em licitação a venda de produtos para pequenas, micro e médias empresas, com faturamento de até R$ 90 milhões no ano anterior.

Muitas empresas que atuam no mercado pediram que o governo vetasse, porque ia tornar desleal a concorrência.

E vetou também um artigo que tratava da remuneração das fundações vinculadas às universidades, que podem contratar pesquisa. Ou seja, a lei previa que essas fundações poderiam cobrar uma taxa administrativa de 2,5%, chegando até a 5%. E a Fazenda também fez toda uma argumentação de que isso não seria uma iniciativa correta.

Então, foram diversos vetos, mas centralmente três questões: impostos previdenciários, liberação das licitações para micro pequenas e médias empresas e a questão do pagamento de taxas administrativas em projetos de pesquisa.

Jornal GGN – O texto menciona alguns princípios que devem ser atendidos por essas medidas. O primeiro que mais chama atenção é a “promoção das atividades científicas e tecnológicas como estratégicas para o desenvolvimento econômico e social”. Essa palavra “estratégicas” é importante. O Brasil finalmente quer desenvolver sua vocação para a inovação? O senhor enxerga isso de uma forma positiva?

Celso Pansera – Na página dos ministérios você vai encontrar uma consulta pública chamada ENCTI (Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação), que nós vamos fechar o texto até março junto com a comunidade científica e os setores produtivos nacionais.

Essa vai ser a nossa estratégia. Aqueles setores que estão dentro dessa Estratégia Nacional de Ciência e Tecnologia serão beneficiados primeiramente por essa lei, ou prioritariamente nessa lei.

E eu te cito desde já: biotecnologia é uma dessas áreas, energia limpa é outra área, fármacos é outra área e nanotecnologia. São as áreas que o Brasil tem um potencial muito grande de se destacar nos próximos anos em nível internacional e que serão alguns dos principais pontos que nós vamos trabalhar.

E também a questão da indústria aeroespacial. Nós estamos com uma janela de oportunidade em que a indústria aeroespacial pode representar para o Brasil em 2025, 2030, o que é a Embraer hoje, o que é a área espacial para o Brasil hoje. É uma área em que o Brasil se posiciona entre os cinco maiores produtores de tecnologia no mundo.

Jornal GGN – Outros dois pontos também chamam atenção no texto. “Redução das desigualdades regionais” e “descentralização da Ciência, Tecnologia e Inovação em cada esfera de governo”. Tem uma maneira de o governo descentralizar essa produção do sul e sudeste? Como se pretende fazer isso?

Celso Pansera – Os nossos editais de financiamento à inovação, todos agora estão preservando no mínimo 30% dos recursos para centro-oeste, nordeste e norte, que é uma forma de a gente produzir e espalhar a pesquisa científica no Brasil inteiro.

E também quando a gente faz ações aqui no Ministério, nós procuramos sempre tentar envolver iniciativas nessas regiões.

Por exemplo, no projeto agora de pesquisa da fosfoetanolamina, essa questão do combate ao câncer, um dos três laboratórios é da Universidade Federal do Ceará.

Um dos focos aqui do Ministério para os próximos meses é desenvolver um sistema de pesquisa para o bioma amazônico.

Então, isso vai descentralizar um pouquinho. Tirar desse eixo sudeste e sul e dar uma redistribuída nas verbas de pesquisa.

Jornal GGN – E quanto à cooperação entre o setor público e o privado? Como a lei vai facilitar esse processo de parceria?

Celso Pansera – Esse é o grande ganho. Como eu falei, a maior parte dos centros de pesquisa, hoje, está localizada em instituições públicas. Principalmente os institutos ligados ao MCTI e às universidades.

Essas instituições possuem carreiras em que tem um nível de progressão de acordo com o tempo, com a formação dos profissionais. E as universidades têm aquela questão chamada de “dedicação exclusiva” que o professor que tiver dedicação exclusiva àquela instituição de ensino ganha um adicional no seu salário.

A lei permite que esses professores dediquem até 416 horas por ano para a pesquisa científica, mesmo aquelas vinculadas à iniciativa privada, sem prejuízo da progressão de suas carreiras.

Por quê? Porque muitos pesquisadores acabavam indo fazer pesquisa e depois faziam questionamentos , do ponto de vista legal, tanto à Presidência, quanto ao TCU [Tribunal de Contas da União] e ao Ministério Público, porque muitas vezes isso prejudicava a progressão de suas carreiras.

Com a nova lei, esses profissionais terão a sua progressão profissional garantida, mesmo que eles sejam liberados dos salários das universidades para serem remunerados por uma instituição de pesquisa dentro de um convênio dessa universidade com uma empresa privada. O tempo de serviço dele continuará contando dentro da universidade. Esses critérios tendem a criar um círculo virtuoso.

A outra coisa é que institutos de pesquisa, fundações de pesquisa vinculados às universidades, poderão fazer parte de sociedades como sócios minoritários em projetos de pesquisa junto à iniciativa privada. O que permitirá a eles desenvolver patentes, produtos e serem remunerados a partir daí. Ou seja, criar uma nova fonte de receita para o sistema público de universidades.

Jornal GGN – E qual é a vantagem para as empresas de fazer essa parceria? É usar o aparelho público para desenvolver os projetos?

Celso Pansera – As universidades, o governo nos últimos anos, desenvolveu um programa chamado CT-Infra, que é para financiar laboratórios de pesquisa. Então, nós temos bons laboratórios hoje em dia, nas universidades e nos centros de pesquisa, que podem ser utilizados para desenvolver novas técnicas.

E a iniciativa privada tem o dinheiro muitas vezes para bancar essas pesquisas. Então, se junta aquilo que já tem de infraestrutura com o interesse do setor produtivo e acaba virando uma coisa de interesse público que é a criação de novos produtos, agregar valor àquilo que o Brasil produz para exportar e, obviamente, gerar bem estar social.

Jornal GGN – Que espécie de aperfeiçoamentos podemos esperar para os instrumentos de fomento e de crédito?

Celso Pansera – A Finep [Financiadora de Estudos e Projetos] está montando um projeto de financiamento para inovação de empresas junto com o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] que vai atingir a casa de bilhões de reais. Anunciaremos nos próximos dias isso.

Então, a empresa que já tem um produto e que precisa montar o seu sistema produtivo, incrementar a produção, que é um produto inovador, o governo colocará o dinheiro à disposição para isso.

Então, uma ponta é a gente desenvolver a patente, desenvolver a pesquisa, e na outra ponta é o governo ajudando a financiar a produção mesmo. Com juros baixos.

Jornal GGN – TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo)?

Celso Pansera – TJLP. Com carência de 24, 36, até 48 meses.

Jornal GGN – Até porque esses projetos têm um tempo de maturação mais longo.

Celso Pansera – Exatamente. Então, na Finep o empresário encontra esse apoio.

E também tem a linha de PDIs [Planos de Desenvolvimento Institucional].Os produtos na área de fármacos, por exemplo, que o SUS [Sistema Único de Saúde] faz o contrato e garante a compra dos produtos.

E tem a questão dos PPBs [Processos Produtivos Básicos], que passa aqui pelo nosso ministério e pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, que são aqueles produtos que têm um nível mínimo de produção nacional e que também são inovadores, que recebem um conjunto de incentivos do ponto de vista fiscal.

Jornal GGN – Sobre essa questão do conteúdo mínimo nacional. O projeto menciona a possibilidade de “indução da inovação por meio de compras públicas”. O governo tem condição de garantir demanda para essas empresas para dar previsibilidade para o desenvolvimento?

Celso Pansera – Exatamente. Agora vai ser um trabalho nosso com a lei. É um trabalho do Ministério de buscar os demais ministérios.

O SUS já tem isso e é muito positivo esse resultado. E a gente vai buscar em outras áreas que o governo compre esses produtos para incentivar a produção.

O Marco abre essa possibilidade, legaliza essa possibilidade.

Jornal GGN – Tem essa possibilidade, por exemplo, na Defesa, que é uma área na qual o Brasil está trabalhando junto com a Suécia para desenvolver o Gripen NX?

Celso Pansera – Tem. Na área de aeroespacial. Na área de biotecnologia existe uma expectativa muito grande do comércio exterior em relação a isso, do Brasil agregar valor na questão da produção agrícola e vender já o produto industrializado.

Então, o Brasil pode a partir das compras públicas desenvolver uma cadeia de produção que depois se reflita também nas vendas para o exterior.

Jornal GGN – O texto também falou sobre a utilização do mercado de capitais e de crédito em ações de inovação. Que tipo de instrumentos poderiam ser esses?

Celso Pansera – Nós vamos acertar isso com a Bolsa de Valores. Tem a ver com as associações que podem surgir entre a iniciativa privada e as instituições públicas. Os programas de startups, que nós vamos ampliar a oferta de dinheiro para startups e propriamente as empresas que já estão estabelecidas no Brasil e que têm interesse em ampliar seu parque tecnológico.

A lei abre essa possibilidade imensa para nós.

Jornal GGN – É possível prever quando a lei vai ser regulamentada?

Celso Pansera – Alguns artigos serão nos próximos dias. A lei já tem um valor, tem apenas três ou quatro artigos que pedem regulamentação. Mas nós já vamos começar a trabalhar a regulamentação deles.

Jornal GGN – Nós conversamos com algumas pessoas do setor. E a única ausência mencionada desse Marco Legal foi a possibilidade de um incentivo fiscal para doações em Ciência e Tecnologia. Uma espécie de Lei Rouanet da Ciência, Tecnologia e Inovação. É possível esperar alguma evolução nesse sentido num período próximo ou a crise desencoraja totalmente essa discussão?

Celso Pansera – Esse debate foi feito. A posição do governo é que não queria criar vinculação de receita nesse momento em que o Brasil tem que dar uma demonstração de austeridade fiscal. E isso vai na mesma linha das questões previdenciárias.

Jornal GGN – O senhor poderia dar um pouco da sua visão pessoal sobre a aprovação desse Marco?

Celso Pansera – É uma conquista do país. Nós atuamos muito no primeiro semestre com os estados e no segundo semestre, como ministro, com o Senado, junto ao governo, para que a lei fosse aprovada consensualmente no Senado e que depois o governo sancionasse.

Tivemos a felicidade de conseguir realizar esse processo. E que caminhemos agora para um novo momento da produção científica, que indica que o Brasil pode efetivamente ser um protagonista em inovação e produção de conhecimento para todo o mundo.

 

Fonte: http://jornalggn.com.br